Elegia à Ivone Gebara
Prêmio João Batista Libanio
2021
Irmã, este canto nasce abrupto
mas é teu, por direito e por justiça.
Tu vens de uma longa tradição
de teimosas filhas de Deus, do Mistério.
No começo foi Miriã e suas mulheres
que cantaram o louvor
de uma vitória de escravos
porque Deus – o Mistério – precipitara no mar
o cavalo e seu cavaleiro.
Então vieram outras, muitas outras
mulheres guerreiras,
mulheres anônimas gerando filhos, filhas e resistências.
Mulheres firmes e altaneiras
liderando o povo de Deus – o Mistério.
Tu fazes parte desta tradição de fé!
Honra tuas avós, tuas tias, tua mãe,
as sábias de outros tempos,
aquelas que não se deixaram
dominar pelo medo ou prepotência.
Mulheres como Rute e Noemi,
Débora, Bate Seba, Ester,
Judite, Tamar e mesmo as estrangeiras
que tanto bem fizeram ao povo de Israel.
Irmã, acerta o passo e reverencia a memória de Maria,
Madalena, Suzana, a profetiza Ana, Lídia e suas tecelãs,
Priscila, Evódia, Júnia, sem esquecer a escrava Rode.
Sê a testemunha do Evangelho
da liberdade maior,
do amor encarnado num canto,
no gesto da cruz e da solidariedade
de um Deus – Mistério – que não julgou
ser menos que um servo de todas as pessoas
e nos deu na sua entrega da vida
a vida inteira e um novo porvir.
Ah, irmã que ontem e hoje te lanças
corajosa e relutante
no campo da lida e da luta,
desejo que saibas anunciar um novo mundo
e com franqueza e ternura
reunir num mesmo barco pescadores, poetisas,
homens feitos e mulheres,
crianças, jovens e sábias,
dispostas a encarar de frente
o novo éon que já ensaia
vilanias e tristezas.
Mas quando a tristeza da lida
te assaltar na noite fria,
recorda-te que antes de ti
muitas sonharam por ti
e deram suas vidas pra que o sonho
do teu Deus e nosso Deus – Mistério –
não fosse apenas um sonho,
mas um banquete e uma ceia
para a qual todas as pessoas são convidadas,
particularmente, as mais pequeninas.
Irmã, que o Vento Novo de Deus
preencha teus sonhos de amor,
teus gritos de liberdade,
tua gana de servir e mudar,
nossa fome de esperança.
Louvado seja o Criador – o Mistério da Vida –
que te fez mulher, amiga e amante,
estudiosa e servidora de um reino
que não tem limites.
Oh, sábia teóloga ingente,
junta-te a tuas irmãs de nossas comunidades.
Com elas serás um sinal – uma provocação –
de uma nova humanidade.
Percebes o quanto esperamos de ti?
Teu futuro já se anuncia
em pequenos mas precisos passos.
Louvo a ti e tuas parceiras
com um misto de paixão, inveja e sedução.
Peço-te, por fim e confiante:
Tem paciência com teus pares
dessa outra de nós dois:
a crucial e terrena Teologia!
Roberto E. Zwetsch
15/07.2021